Poço de reciprocidade

Poucas coisas me machucam mais do que a sensação de uma relação unilateral. Isso já me levou à depressão algumas vezes e, sendo sincero, luto para que o momento que vivo não se torne mais um destes.

Há anos sinto que minha dedicação a amizades e envolvimentos afetivos (tanto possíveis quanto concretizados) é maior que a recebida. A minha mente adoecida me dizia que reclamar disso seria egocêntrico ou pedante, mas felizmente o sentimento foi validado por uma amiga próxima. No entanto, embora essa necessidade pessoal seja justa no papel, entendo que também seja justo que as outras pessoas não tenham a obrigação de reciprocar a dedicação à relação construída, isso sem contar a máxima de que devemos fazer as coisas sem esperar algo em troca.


De onde enxergo a situação, isso é sintoma da falta de humanidade e do egoísmo que a vida contemporânea e o capitalismo infligem sobre a sociedade. Não acredito que todas as pessoas de quem eu espero recíproca sejam más ou não gostem de mim, mas acho que o zeitgeist torna pensar nos outros um luxo que poucos têm. É claro que em muitos casos – os mais próximos – é apenas falta de consideração, e sinto isso por parte de muita gente. É isso que é triste e que machuca.


Reciprocidade deveria ser algo simples: se alguém começou uma conversa, comece você também; se alguém perguntou se está tudo bem, pergunte você também; se alguém se dispõe a ajudar em momentos ruins, disponha-se você também; se alguém corre para te acudir quando há um pedido público de socorro, faça o mesmo pela pessoa. Mas quem pega a louça limpa depois não quer dar conta da pilha de pratos sujos na pia. Parece ser sempre assim.


Recentemente refleti que é fácil se identificar como vítima de uma relação tóxica, mas que é difícil se identificar como alguém que passa a toxicidade adiante. Isso se aplica igualmente à unilateralidade de relacionamentos. Acho fundamental que tenhamos autocrítica na hora de exigirmos determinados comportamentos dos outros. Eu não estaria escrevendo a respeito de reciprocidade se não estivesse ciente do quanto me dedico às pessoas próximas a mim, mas vejo muitos se queixando por não receberem de uns aquilo que não dão a outros. Se eu estiver certo quanto à capitalização das relações humanas, então a coerência afetiva definitivamente é uma commodity em falta.


Sintam-se à vontade para zombar do caráter carente do texto, da linguagem vira-lata formal e do tom próximo de autoajuda, mas que o teor não se perca na interpretação de quem lê. O sentimento é genuíno, a reflexão é sincera e a sugestão é séria.


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