Sobre depressão, novamente

Depois de quatro anos bem, voltei a ter depressão.

Engraçado. Fiz 34 anos segunda-feira e tenho depressão diagnosticada desde os 22. Muitos achariam que a essa altura eu teria experiência o bastante para saber quando um episódio começa a se aproximar, e quem sabe até um mínimo de inteligência que me permita correr atrás do que contenha o seu progresso antes que seja tarde. Mas tal qual suas outras ocorrências, a depressão veio silenciosa: demorou a disparar o alarme da casa e não derrubou nada muito barulhento antes disso. Senti dias de solidão, busquei atenção, deixei de sentir prazer com coisas das quais gosto, comecei a perder esperança e vontade de viver, e mesmo assim eu só me dei conta dela três dias atrás.


Mesmo 12 anos depois do primeiro diagnóstico não deixa de me fascinar como a doença se manifesta. Ela afeta cada pessoa de maneira ligeiramente diferente, mas comigo sempre foi da mesma forma ‐ ela reconfigura as minhas prioridades, perspectivas e necessidades, além de me deixar extremamente melancólico. É como se o meu cérebro fosse um computador que é acessado por dois usuários diferentes, cada um com opções de layout e preferências distintas, mas ambos com acesso aos mesmos arquivos. Péssima analogia, talvez, mas é o que tenho no momento.


Uma vez escrevi um ensaio sobre o meu histórico de depressão. Um ponto que levanto nele é que a depressão pode vir tanto de dentro quanto de fora, quando não vem dos dois lados. Tenho propensão genética e química à doença, mas dessa vez não foi este o principal fator.


Não vou entrar em detalhes que não competem ao público, mas acho que esse episódio é a culminação de dois anos de pandemia. Além de ter sentido na pele o constante medo de morrer e os efeitos econômicos (esses eu ainda sinto), também tive que encarar dilemas pessoais e segurar as pontas de amigos e familiares próximos afetados por problemas de saúde e de vida. Não estou reclamando, muito pelo contrário - fico feliz em poder retribuir o que fizeram por mim quando estive necessitado. Mas caiu tudo em cima de mim de uma vez só, e servir de porto seguro e ombro amigo não é algo que se sustenta quando em sobrecarga.


Acho que o aniversário recente foi a gota d'água. Eu vinha me sentindo esquecido e só, e não ter recebido mensagem de pessoas das quais sou razoavelmente próximo foi decepcionante. Senti-me desimportante, um idiota, alguém digno de chacota e ridicularização. Talvez seja a depressão, talvez seja um caso ridículo e imaturo de autopiedade, talvez seja carência emocional, talvez seja narcisismo, talvez seja tudo isso, talvez não seja nada disso. Fato é que o 9 de maio foi triste, e o dia 11 foi uma bomba de melancolia.


Felizmente tenho algumas condições (por enquanto) para correr atrás de tratamento, e já comecei a mexer os pauzinhos. Já passei por episódios piores e creio que vou passar por esse. A minha experiência prévia contradiz o meu cérebro, que no momento só me diz que não vale a pena correr atrás e que nada faz sentido. É uma doença filha da puta, essa: ela me drena da iniciativa, da esperança e do amor-próprio, as três coisas das quais eu preciso para encará-la. Uma pena. Vinha do meu melhor momento.


Resolvi escrever publicamente a respeito disso como uma forma de me obrigar a correr atrás da minha própria saúde. Dessa forma sinto uma obrigação maior e uma necessidade irracional de prestar contas mesmo quando a minha cabeça entra no modo autodestrutivo. Se quem lê nunca passou por isso, desejo que nunca passe; mas que sempre tenha empatia por quem sofre de depressão e demais transtornos mentais. Ofereça o que pode, seja companhia, um abraço, um oi, memes, o que quer que seja. Um pouco de amor faz muito.


Volto a me comunicar quando sentir que dá.


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