O peru vota contra a ceia

É prepotente de minha parte achar que o mundo precisa deste ensaio. Ninguém pediu que um sujeito consideravelmente desqualificado - sim, mais um! - opinasse quanto às eleições presidenciais. Mas faz parte da democracia que o peso do voto de cada um de nós seja igual, é moralmente justo que assim seja e é dessa forma que vejo esta egotrip. Nela eu boto a boca no trombone e justifico a minha escolha (extremamente previsível). A quem estiver disposto a ler obviedades pensadas por um cidadão de confiança discursiva exageradamente injustificada, seguem alguns parágrafos.


As campanhas presidenciais de 2022 e a nossa sorte estão oficialmente lançadas. Existem dúvidas quanto ao comparecimento de alguns candidatos aos debates que precedem o pleito, mas acho desnecessário o circo. Nunca estivemos tão cientes de históricos políticos, temperamentos e ideologias dos concorrentes, e os debates servirão apenas para dar plataforma aos piores aspectos de cada um deles. Ficarei muito surpreso se eles não se resumirem a baixaria e infantilidade.


Na semana que termina, o Jornal Nacional promove longas entrevistas com os quatro candidatos líderes nas pesquisas. Assisti às entrevistas com Jair Bolsonaro, Lula e Ciro Gomes e não assistirei à entrevista com Simone Tebet. Nas que vi, os candidatos trataram de esconder alguns dos seus piores aspectos demonstrados em outras ocasiões: Bolsonaro não foi autoritariamente incisivo e grosso como de costume; Lula não falou de si e de sua gestão como se fosse irrepreensível; Ciro não descambou para a arrogância nem se fez de dono da razão. 


Ainda assim, vimos muito do que esperávamos. Bolsonaro distorceu grosseiramente os fatos, mentiu descaradamente e falou à imprensa como se falasse à sua base que tudo engole. Lula fez uma espécie de mea culpa quanto a acusações de corrupção, adotou um discurso conciliador e focou no que sempre fez bem, que é demonstrar o quanto se importa com o povo. Ciro promoveu uma falsa equivalência entre os dois anteriores e foi incapaz de traduzir seu conhecimento técnico em miúdos consumíveis, deixando muitos telespectadores (incluindo eu) boiando.


Não escondo de ninguém que sou declaradamente de esquerda, apoio políticas socialistas e vou definitivamente votar no Lula (apesar de não suportar a atitude da sua fanbase), mas não sou filiado a nenhum partido e não passo pano para ninguém. Acho, sim, que ele tem uma história louvável e que fez a melhor gestão presidencial da história recente, mas também acho que demorou a ter alguma autocrítica e que a candidatura dele é sintoma de uma esquerda incapaz de se renovar. Boulos, Manuela e Haddad, as três maiores promessas do lado de cá do espectro político, não têm o mesmo carisma; tampouco a história tratou de julgar suas trajetórias como emblemáticas. São preparados - Haddad, na minha opinião, é o político mais qualificado ao cargo - e poderiam fazer uso de suas retóricas fortes para comunicar-se com o povo, mas hoje tentam adaptar-se à internet e ao público jovem através de uma presença online debochada e artificial.


Para muitos, Ciro Gomes é a alternativa lógica a esquerdistas críticos, não fosse o fato de que ele construiu uma candidatura e uma reputação à base de grosseria e recalque. Ciro tem o temperamento de uma criança mimada, incapaz de contra-argumentar quem o contradiga sem descambar para a grosseria. Muitos bolsonaristas o criticam através da estigmatização de doenças mentais, dizendo que Ciro abusa de Rivotril, cegos ao fato de que o ídolo deles tem um modus operandi similar, mas exponencialmente mais grave e descambando para o autoritarismo.


Ciro e Lula pertencem a extremos opostos do espectro didático: enquanto um não consegue explicar seu projeto político sem vomitar um sem-número de termos técnicos, conexões lógicas complexas e números aparentemente aleatórios, o outro poupa o público de pormenores básicos. A vantagem de Lula é ter um legado indiscutível como presidente, enquanto Ciro não dorme da dor de cotovelo por nunca tê-lo sido e culpa Lula até hoje.


Jair Bolsonaro é Jair Bolsonaro: um sujeito desprovido de moral, coração, intelecto, noção da realidade e escrúpulos. Por ser um hipócrita, é a direita sem demagogia. Seu único desejo é o poder; seus únicos aliados, os poderosos. Manipulou os mais necessitados a ponto de votarem nele como perus que votam a favor da ceia. É o responsável pelas trevas nas quais nos encontramos, um câncer político que há de ser expurgado. Ciro Gomes deveria se envergonhar por criar qualquer tipo de equivalência entre Bolsonaro e Lula, e esse mau-caratismo por si só o desqualifica enquanto presidenciável.


E justamente pelo fato desta eleição significar a luta da democracia contra o fascismo é que votarei em Lula. Ele tem chances altíssimas de vencer no primeiro turno, provou inúmeras vezes o quanto quer trabalhar a serviço do povo, comeu o pão que o diabo amassou, fez coisas incríveis pelos mais necessitados e, aos 76 anos, está mais forte e indignado que nunca. Tenho críticas a ele, mas que se danem neste momento. Quando ele estiver governando, aí sim serei crítico de sua administração. No momento, na humilde opinião deste professor de inglês com amor no coração, Lula é digno da admiração, da confiança e do voto de todo eleitor que se diz brasileiro.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Entre ser cruel, ser justo e ser ambos

Poço de reciprocidade

Toma que o filho também é teu